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Uma jornada pelos ares

Crônica | No epicentro dessa tapeçaria de reações humanas, está a pobre aeromoça, que, na tentativa de manter a normalidade servindo lanches, encontra-se numa batalha perdida contra a gravidade

Crônica - Uma jornada pelos ares - Por Richard Günter
Foto: Richard Günter

Ah, viajar de avião! Essa maravilhosa invenção da humanidade que nos permite cruzar continentes em horas, mas não sem antes nos submeter a um labirinto burocrático e físico, acompanhado de um coquetel emocional de ansiedade, excitação e um leve sabor de medo. Embarcar nessa jornada aérea é navegar pelas turbulências emocionais e físicas com um sorriso no rosto.


O check-in online, apesar de ser uma invenção genial, nunca deixa de ser um prelúdio ansioso para a jornada que se inicia. Você insere seus dados com a precisão de um cirurgião, temendo que algo de ruim possa ter acontecido com seu voo. E quando tudo parece estar certo, surge o temor ancestral: será que minha mala vai ultrapassar o sagrado limite determinado pelas companhias? Você começa a questionar a necessidade de cada item. "Será que eu realmente preciso de cinco pares de sapatos para uma viagem de três dias?" Sim, a resposta é sempre sim.


Então, você chega ao aeroporto. A primeira missão: encontrar seu voo no painel eletrônico, que mais parece o painel de controle da bolsa de valores. Os voos desfilam na tela mais rápido do que conseguimos ler, numa espécie de bingo onde você realmente não quer ser o vencedor. "Voo para Xanadu, cancelado". Você respira aliviado, não é o seu... desta vez.


Passar pela segurança é como participar de um game show cujo prêmio é simplesmente seguir sua vida. Você retira os sapatos, o cinto, quase pedindo socorro pra não ficar pelado. E então, o momento de tensão: o detector de metais. Você passa por ele tentando parecer natural, mas internamente rezando para não apitar. Quando você passa ileso, é difícil não se sentir um espião internacional que acaba de completar uma missão impossível.


Ah, os aeroportos e seus preços estratosféricos! Ali, no limiar entre a terra e o céu, o café e o pão de queijo, esses modestos confortos do cotidiano, são transformados em luxos dignos de nota. O valor cobrado por eles é, sem dúvida, um fenômeno que desafia as leis da economia e do bom senso, como se, ao cruzar os portões do aeroporto, entrássemos em uma dimensão paralela onde os preços flutuam livremente, descolados da realidade terrena. Pagar o equivalente a uma pequena fortuna por um café que mal preenche a xícara e um pão de queijo que parece ter encolhido de medo da altitude é uma experiência que nos faz questionar as escolhas da vida. Mas, de alguma forma, resignados e talvez um pouco desesperados por um vislumbre de conforto, nós cedemos, pagando o preço exorbitante por esses simples prazeres, enquanto murmuramos para nós mesmos sobre a peculiar economia dos aeroportos, onde o valor não está na comida, mas na localização e na circunstância.


As filas para entrar no avião, um microcosmo da sociedade com suas divisões e hierarquias, onde a espera se transforma em uma observação social. Divididas meticulosamente por seções - classe A, Ouro, Diamante, e uma infinidade de outras categorias criativas inventadas pelas companhias aéreas para diferenciar os passageiros (e, convenhamos, para encontrar maneiras cada vez mais inventivas de tirar dinheiro de nós) - a experiência se torna um espetáculo à parte. Nós, os bravos viajantes da classe econômica, assistimos, com uma mistura de paciência e resignação, enquanto os "eleitos" desfilam majestosamente para o embarque prioritário. A hierarquia do embarque revela-se não apenas como uma estratégia de mercado, mas como um lembrete de nossa posição no vasto ecossistema aéreo. E, enquanto esperamos nossa vez, refletimos sobre a complexidade dessas estratificações, confortados apenas pela esperança de que, uma vez a bordo, todos chegaremos ao mesmo destino, independentemente do momento em que atravessamos a porta de embarque.


A arte de navegar pelas regras da bagagem de mão é quase um rito de passagem para o viajante aéreo moderno. Armados com uma mala pequena que, por vezes, parece necessitar de um curso avançado em tetris para acomodar tudo, e uma bolsa ou mochila que deve ser habilmente encaixada abaixo do assento à frente, embarcamos nesse desafio com uma mistura de resignação e engenhosidade. A mala, supostamente dimensionada para caber no compartimento acima da cabeça, muitas vezes se transforma em uma prova de força e estratégia, enquanto a bolsa aos nossos pés é uma constante lembrança da nossa tentativa de maximizar o espaço sem infringir as sagradas regras aéreas. Esse equilíbrio precário entre o que é permitido e o espaço disponível se torna uma dança meticulosa, um jogo onde o objetivo é otimizar cada centímetro cúbico sem sacrificar itens essenciais de viagem.


Encontrar o seu assento na aeronave é outra aventura. Há sempre aquele receio de encontrar alguém sentado na sua poltrona, o que te obrigaria a participar de um diálogo social indesejado. Mas hoje, sorte sua, o trono é seu sem disputa.


Ah, os três assentos de uma fileira de avião - um microcosmo de preferências e peculiaridades humanas, onde cada escolha revela um pouco sobre a alma viajante. O assento do corredor, cobiçado pelos amantes da liberdade, permite um escape rápido para as caminhadas pelo avião ou uma visita ao banheiro sem o constrangimento de pedir licença. No entanto, é também o posto de guarda, onde você é o guardião involuntário de seus companheiros de fileira, obrigado a se levantar a cada solicitação de passagem. O assento do meio, o purgatório dos céus, onde você é cercado por estranhos de ambos os lados, lutando por um centímetro de apoio para o braço, é o verdadeiro teste de paciência e habilidades sociais. Por último, o assento da janela, o refúgio dos sonhadores e dos apreciadores de vistas espetaculares. Oferece não apenas um lugar para repousar a cabeça e sonhar acordado com as nuvens, mas também a responsabilidade não escrita de controlar a cortina da janela, um poder que pode tanto iluminar como mergulhar seus vizinhos na escuridão. Cada assento tem seus prós e contras, mas todos compartilham a promessa de aventura, encapsulando a essência da viagem aérea: um pequeno inconveniente para o grande prazer de explorar o mundo.


Aí vem o lanche. Ah, o lanchinho do avião! Uma caixa de surpresas, onde você nunca sabe se vai receber só um copo d'água, um pacote de amendoim que ao morder parecem pedaços de metais ou um bolinho que desafia as leis da física. É uma espécie de roleta russa culinária a dez mil pés.


Utilizar o banheiro do avião é equivalente a entrar em uma cápsula espacial minimalista, onde cada movimento deve ser calculado. E então, enquanto você está lá, fazendo malabarismos para não tocar em nenhuma superfície, a turbulência decide dar as caras. De repente, você está praticando parkour involuntário em um cubículo de 1 metro quadrado.


Voltando à turbulência, esse fenômeno aéreo que transforma um voo tranquilo numa montanha-russa invisível nos céus, é uma verdadeira prova de fogo (ou ar, nesse caso) para o espectro completo das reações humanas. Primeiro, temos o grito inaugural, cortesia daquela pessoa que nunca parece ter voado antes, ou talvez tenha assistido a muitos filmes de desastre. Seu grito serve como um alarme não oficial, um sinal para todos apertarem os cintos e prepararem suas expressões mais dramáticas.


Ao lado dele, você encontrará o viajante pálido, que parece estar competindo numa maratona de descoloração, alcançando tons de branco que faria um lençol se sentir inadequado. Eles seguram o braço da cadeira com tanta força que você teme pela integridade do plástico.


Não muito longe, está o devoto fervoroso, murmurando preces em um frenesi religioso, oferecendo aos céus promessas de virtudes futuras em troca de um voo mais suave. Suas mãos entrelaçadas e olhos fechados em fervorosa súplica oferecem um contraste intrigante àqueles ao redor que, digamos, encontram um prazer peculiar daquelas reviravoltas aéreas.


E sim, existem os aficionados pela turbulência, que veem cada sacolejo e balanço como parte da aventura, um tipo peculiar de diversão a milhares de metros acima do solo. Esses intrépidos passageiros, com seus sorrisos travessos, quase parecem desapontados quando a calmaria retorna (Eu, por exemplo, não me julguem. risos).


No epicentro dessa tapeçaria de reações humanas, está a pobre aeromoça, que, na tentativa de manter a normalidade servindo lanches, encontra-se numa batalha perdida contra a gravidade. Latas de refrigerante e pacotes de amendoins executam um balé caótico pelo corredor, numa demonstração prática de física que ninguém pediu. É uma cena que oscila entre o trágico e o cômico, pois, apesar do caos, há uma camaradagem tácita formada pela experiência compartilhada.


A turbulência, em toda a sua glória imprevisível, serve não apenas como um lembrete da incrível tecnologia que nos permite voar, mas também da humildade perante as forças da natureza. E no fim, não importa a reação individual, todos compartilhamos o alívio e a gratidão ao ouvir o piloto dizer que estamos saindo da área de turbulência, prontos para rir das nossas reações, esperando contar a história de mais um voo memorável.


Mas nem tudo é desafio. A magia acontece quando você se acomoda e olha pela janela. Tirar fotos daquela perspectiva faz qualquer transtorno valer a pena. As nuvens parecem um mar de algodão, as cidades minúsculas abaixo, um lembrete de nossa pequenez. É um momento de pura paz... até que uma turbulência te lembra de que você está, de fato, num tubo de metal voando através de uma tempestade.


Chegar ao destino, após as aventuras aéreas, é sempre uma sensação gloriosa, um misto de conquista com alívio, onde cada desafio enfrentado se transforma em uma história para contar. A busca pela mala despachada no carrossel do aeroporto é uma espécie de loteria ao contrário, onde você torce para que o prêmio seja justamente o que você já possuía. Em meio à tensão quase palpável, observamos a "delicadeza" com que nossas valiosas posses são lançadas na esteira - uma dança bruta de malas que mais parece uma competição de arremesso de peso do que um cuidadoso processo de entrega. É nesse momento que percebemos que a integridade da nossa bagagem depende da sorte tanto quanto da qualidade da mala.


Enquanto aguardamos, não podemos deixar de notar a variedade de bagagens que fazem sua aparição triunfal: desde a mala envolta em tantas camadas de plástico que mais parece um item à prova de apocalipses, até aquelas que despertam a curiosidade sobre o que possa justificar sua forma e decoração peculiares. E, claro, há sempre aquele momento de suspense dramático, quando uma mala muito parecida com a sua surge... só para ser prontamente retirada por outro viajante, deixando você na expectativa até que, finalmente, a sua aparece, talvez um pouco pior pela experiência, lembrando-nos que, no que diz respeito à viagem de bagagens, o reencontro é sempre um doce alívio, apesar dos eventuais sinais de uma jornada turbulenta.


Mas curiosamente, a jornada de volta para casa raramente carrega o mesmo brilho, exceto pela doce antecipação de reencontrar o conforto inigualável da nossa própria cama. Esse refúgio familiar, com seus contornos conhecidos e seu abraço acolhedor, nos recebe de volta ao lar, não apenas como o término de uma viagem, mas como um lembrete reconfortante de onde começamos. E nesse momento, percebemos que, por mais incríveis que sejam as aventuras e os novos horizontes, há algo eternamente reconfortante na familiaridade do nosso próprio canto, no silêncio pacífico do nosso quarto, onde cada viagem, por fim, encontra seu doce final.

 

■ Por Richard Günter

Jornalista, pós-graduado em roteiro audiovisual e graduando de cinema

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