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Conto: Gula, glória e hotdog

Atualizado: 2 de mar.

"Ah, nem deu tempo de eu abocanhar meu hotdog com duas salsichas, lamentou-se Mariana, observando seu lanche agora celestial"


Conto: Gula, gloria e hotdog - Autor: Richard Günter

Em um belo e ensolarado dia de primavera, onde os pássaros cantavam e as árvores dançavam ao ritmo do vento, Mariana decidiu que era o dia perfeito para apreciar um hotdog com duas salsichas, uma extravagância culinária aos olhos de muitos. Ela, com um sorriso no rosto e um apetite de leão, foi até a barraquinha mais famosa da cidade, conhecida pela generosidade de suas porções e pelo segredo especial no molho de tomate.

 

Ao adquirir o tão desejado hotdog, recheado até as bordas e com um aroma que poderia despertar o interesse até dos mais reclusos eremitas, Mariana dirigiu-se ao ponto de ônibus, ansiosa por saborear sua conquista. Porém, o destino, com seu humor peculiar e por vezes cruel, tinha outros planos. No momento em que ela se preparava para dar a primeira mordida, uma sequência infeliz de eventos levou a um acidente, e Mariana encontrou-se subitamente no umbral, com o hotdog ainda intacto em sua mão.

 

 Ah, nem deu tempo de eu abocanhar meu hotdog com duas salsichas lamentou-se Mariana, observando seu lanche agora celestial.


O umbral, um lugar de cores desbotadas e ecos de vozes perdidas, era tudo menos o paraíso dos comedores de hotdog. Enquanto caminhava, assustada com as visões que a cercavam, as almas penadas começaram a chamá-la de suicida, uma acusação que a deixou perplexa.

 

 Suicida? Eu só queria comer meu hot-dog  pensou Mariana, incapaz de compreender a conexão. Foi então que um guardião das almas, vestido com roupas que pareciam saídas de uma loja de segunda mão celestial, explicou a situação.


 Você é considerada suicida porque abusou da comida, um dos sete pecados, disse ele, com uma seriedade que contrastava com seu traje.

 

Horrizada, Mariana lembrou-se de todos os banquetes dos quais participou, fazendo-a salivar, mesmo no umbral. Uma das almas penadas, com um senso de humor mais ácido que o molho especial do hotdog, comentou que não adiantava se arrepender do pecado da gula, porque "Jesus não gosta de gente gorda".

 

Mariana, indignada, tentou se defender, mas as almas penadas, agora mais numerosas e magras como palitos, começaram a cercá-la, alegando que iriam comer sua gordura, pois estavam famintas. Em um ato de desespero e fé, Mariana começou a orar fervorosamente, o que de alguma forma a fez começar a voar em direção a uma luz branca.

 

Enquanto flutuava, uma curiosidade insaciável a tomou, fazendo-a questionar a verdadeira natureza do umbral, esse limbo entre o mundo dos vivos e o destino final das almas. Com um desejo ardente por conhecimento, ela fez uma pausa em sua ascensão celestial e, como se guiada por uma força invisível, encontrou-se diante de um velho sábio, uma alma que parecia residir ali por eras, observando o ir e vir das almas perdidas.

 

 O umbral  começou o sábio, com uma voz que ecoava como o vento através de uma caverna vazia  é um reflexo de nossas escolhas terrenas, um espelho de nossas ações e desejos. É um lugar de purgação e reflexão, onde todas as almas confrontam o que fizeram de suas vidas, encarando seus medos, arrependimentos e, às vezes, suas indulgências, como a sua com o hotdog.

 

Mariana, absorvendo cada palavra, percebeu que o umbral não era apenas um lugar de punição, mas também de oportunidade; uma chance de aprender, crescer e, eventualmente, transcender. Com essa nova compreensão, ela retomou sua jornada, levando consigo não apenas a promessa de redenção, mas também uma história singular sobre um hotdog que desafiou os limites do além.

 

Lá nas alturas, enquanto se afastava do umbral, ainda segurando seu hotdog celestial, virou-se, Mariana fez sinal de banana e proclamou com uma confiança recém-descoberta:

 Uma banana pra vocês... flambada e com calda de doce de leite!

 

E com essa declaração, Mariana provou que, no fim das contas, o que realmente importa é fazer o bem sem olhar a quem, independentemente do tamanho da sua cintura ou da quantidade de salsichas no seu hotdog.

 

■ Por Richard Günter

Jornalista, Escritor, pós-graduado em Roteiro Audiovisual e graduando de Cinema

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